Mário Quintana

"O amor é isso. Não prende, não aperta, não sufoca. Porque quando vira nó, já deixou de ser laço." - Mário Quintana

domingo, 17 de agosto de 2014

Direito e Religião



Resumo
O objetivo deste trabalho é mostrar a relação entre Direito e Religião desde os povos primitivos. Abordando as relações e derivações que cada matéria teve sobre a outra e como a religião pode influenciar o direito e como o direito regula as relações religiosas na idade primeva bem como contemporaneamente, passaremos as vistas no direito primitivo hebraico arcaico tanto o código Hamurabi, posteriormente as Tábuas da Lei de Moisés e toda a relação jurídica decorrente destas tradições, observaremos como se iniciou o direito grego e romano que foram o berço da sociedade ocidental.

Introdução

Neste momento nos remeteremos a uma ilha imaginária, um lugar paradisíaco com muitas palmeiras, árvores frutíferas, fauna e flora exóticas, distante do continente o suficiente para fazer do lugar um verdadeiro santuário. Na ilha, além de tudo isso como se não bastasse, há também um ser humano, vive sozinho, isolado da civilização, mora em uma cabana feita de material rústico onde se protege das intempéries da natureza, tem um espaço onde cultiva seu próprio alimento, confecciona sua vestimenta, de algumas ervas desenvolveu alguns remédios, faz dos seus dias uma rotina regrada, desenvolve seus hábitos, é senhor de si mesmo, dele emana a sua própria fonte de interesses, não estabelecendo nenhuma relação de direitos e deveres com outrem, ele não está vinculado a qualquer obrigação a não ser aquelas fisiológicas que lhe obrigam naturalmente em função da sua própria subsistência, como por exemplo, cultivar seus os alimentos, pescar seu próprio peixe, segundo Hans Kelsen (1881 — 1973) - onde não há conflito de interesses não há necessidade de justiça, assim podemos fazer uma leitura da situação deste humano até este momento. Porém, um dia desembarcam na ilha cinquenta outros seres humanos com o intuito de habitá-la e explorá-la, dividem-se em grupos e passam a formar uma sociedade, a partir de então a privacidade daquela ser humano solitário é maculada com a presença de seus pares, tudo muda, o espaço onde morava deve ser agora redimensionado em função das novas moradias, o lugar de plantio também, outros conflitos surgirão, origina-se então outras fontes de interesses que não necessariamente coincidem com as daquele homem, os mais fortes imporão sua vontade através da autoridade, é exatamente neste momento na relação de convivência que surgem os conflitos de interesses, delimitar direitos, deveres e obrigações é essencial para razoável socialização destas pessoas, esta é  função do Direito.
Esta ilha imaginária nos serviu bem para mostrar como se dá aplicação do Direito, isto é, ele opera na esfera de uma situação conflitante de interesses, houve neste caso hipotético o conflito entre um habitante original e um grupo maior que chegou depois dele, evidente que caberia uma discussão quanto ao direito original daquele homem, porém isso não pode ser impeditivo à socialização do mesmo com os demais, por serem estes seus pares, fazendo uma reflexão do caso em tela concluiríamos que o Direito por si próprio surgiu exatamente assim milênios atrás, isso não poderia estar mais errado, embora isso não desabone nosso exemplo acima citado o direito nasce na verdade de uma outra experiência humana, a religião. Antes que houvesse algum tratado legal, código de leis, ordenamento jurídico no mundo, haviam crenças, das quais nascem toda a mentalidade acerca dos direitos, deveres e obrigações que podemos imaginar.
Fato é que a observação dos fenômenos naturais em tempos remotos fez que os homens concluíssem a existência de uma relação misteriosa, divina, espiritual com seres etéreos, foi ouvindo sons dos trovões que os homens chegaram a deduzir a existência dos deuses celestiais conversando entre si, foi pelo temor dos raios das tempestades que julgavam serem setas de julgamento da ira dos deuses contra as maldades dos homens, mas também eram dadas dádivas aos deuses por suas colheitas, pelo sol, pela chuva, e demais benesses que os deuses davam aos seres humanos, evidente que não podemos julgá-los por estas definições tão esclarecidas para nós hoje, era o modo que eles explicavam a mais complexa indagação do ser humano - a Existência. Pensar em responder com objetividade nossas perguntas mais cruciais ainda hoje deveria nos remeter a certa resistência haja vista que ao longo dos séculos testemunhamos as contradições existentes em nossas conclusões mais absolutas e convictas principalmente no campo científico, verdades absolutas de hoje serão superadas amanhã, por isso é necessária muita reverência ao tratar com tais temas primitivos.
Ademais, não podemos esquecer que caminhamos sobre uma estrada pavimentada por tais humanos do passado. E que se hoje podemos conhecer mais sobre nós mesmos é porque em algum momento alguém se dedicou a pensar, observar, registrar, e transmitir experiências para a posteridade.
  1. Direito nas sociedades primitivas
Segundo muitos especialistas é possível constatar que, na maioria das sociedades remotas, a lei é considerada parte central do controle e ordem social, usada para prevenir, remediar ou castigar os desvios das regras prescritas. A lei nos tempos mais remotos já exercia a função de manter a coesão do grupo social, isto é, da sociedade em si mesma. Existe certo mistério, sobre as origens de certa parte das origens de grande parte das instituições jurídicas no período pré-histórico, mas isso não quer dizer que estamos às cegas quanto à questão.
Há um consenso quanto ao fato de que os primeiros textos jurídicos estejam associados ao aparecimento da escrita, não se pode pensar em considerar a presença de um direito entre povos que possuíam formas de organização social e política primitivas sem o conhecimento da escrita. Certo é que pesquisas dos sistemas legais das populações sem escrita não se reduz meramente à explicação dos primórdios históricos do direito, mas evidencia um enorme interesse, porquanto “milhares de homens vivem ainda atualmente, na segunda metade do século XXI, de acordo com direitos a que chamamos “arcaicos” ou “primitivos”. A título de exemplo as civilizações mais arcaicas como os aborígenes da Austrália ou da Nova Guiné, os povos da Papuásia ou de Bornéu, de certos povos índios da Amazônia no Brasil”, ainda mantém seus sistemas legais sem nenhuma associação escrita necessariamente. Tendo em conta estes apontamentos, cabe tratarmos de alguns aspectos do direito nas sociedades primitivas como a formação, caracterização, fontes e funções.
1.1   Formação do Direito com base nas crenças das sociedades primitivas.

Há uma dificuldade no campo das ciências que estudam as formações do direito nas sociedades por causa de algumas variações de hipóteses levantadas por tais especialistas. O direito arcaico assim como o entendemos pode e certamente é um dos métodos mais seguros para se apoiar uma interpretação a partir da compreensão do tipo de sociedade que o gerou. Se a sociedade pré-histórica fundamenta-se no princípio do parentesco, nada mais natural do que considerar que a base geradora do jurídico encontra-se primeiramente, nos laços de consanguinidade, dentro da família geradora, nas práticas de convívio familiar de um mesmo grupo social, unido por crenças e tradições.
É neste sentido que a lei primitiva da propriedade e das sucessões teve em grande parte sua origem na família e nos procedimentos que a circunscreveram, como as crenças, os sacrifícios e o culto aos mortos. Ninguém melhor que Fustel de Coulanges para escrever que o direito antigo não é resultante de uma única pessoa ou da vontade de um único grupo prevalente, pois se impôs a qualquer tipo de legislador, nasceu espontânea e inteiramente nos antigos princípios que constituíram a família, derivando das crenças religiosas, universalmente admitidas na idade primitiva desses povos e exercendo domínio sobre as inteligências e sobre as vontades. Num tempo em que inexistiam legislações escritas, códigos formais, as práticas primárias de controle são transmitidas oralmente, marcadas por revelações sagradas e divinas.
Distintivamente da ênfase atribuída à família feita por Fustel de Coulanges, outro autor como H. Summer Maine entende que esse caráter religioso do direito arcaico, imbuído de sanções rigorosas e repressoras, permitiria que os sacerdotes-legisladores acabassem por ser os primeiros intérpretes e executores das leis. O receio da vingança dos deuses, pelo desrespeito aos seus ditames, fazia com que o direito fosse respeitado religiosamente, Daí que, em sua maioria, os legisladores antigos (reis sacerdotes) anunciaram ter recebido as suas leis do deus da cidade. De qualquer forma, o ilícito se confundia com a quebra da tradição e com a infração ao que a divindade havia proclamado, o direito antigo compreende, claramente, três grandes estágios de evolução: o direito que provém dos deuses, o direito confundido com os costumes e, finalmente, o direito identificado com a lei.
Algumas experiências societárias, ao permitirem o declínio do poder real e o enfraquecimento de monarcas hereditários, acabaram por favorecer o surgimento de classes aristocratas, depositárias da produção legislativa, com capacidade de julgar e de resolver conflitos. Mas este momento inicial de um direito sagrado e ritualizado, expressão das divindades, desenvolve-se na direção de práticas normativas consuetudinárias. Por ser objeto de respeito e veneração, e ser assegurado por sanções sobrenaturais, dificilmente o homem primitivo questionava sua validez e sua aplicabilidade. A inversão e a difusão da técnica da escritura, somada à compilação de costumes tradicionais, proporcionam os primeiros códigos da Antiguidade, como o de Hamurábi, o de Manu, o de Sólon e a Lei das Doze Tábuas. Constatam-se, destarte, que os textos legislados e escritos eram melhores depositários do direito e meios mais eficazes para conservá-lo que a memória de certo número de pessoas, por mais força que tivessem em função de seu constante exercício, aos poucos a tradição dessas leis orais foram se modificando e alterando a forma justificando assim a necessidade de seu registro.

1.2   Características e fontes do Direito arcaico
Para uma definição de Gilissen¹ primeiramente, o direito primitivo não era legislado, os povos não conheciam a escritura formal e suas regras de regulamentação mantinham-se e conservavam-se pela tradição oral. Um segundo fator de conhecimento é que cada organização social possuía um direito único, que não se confundia com o de outras formas de associação. Cada comunidade tinha suas próprias regras, vivendo com autonomia e tendo pouco contato com outros povos, a não ser em condições de guerra ou conflito. Um terceiro aspecto a considerar é a diversidade dos direitos não escritos, trata-se da multiplicidade de direitos diante de uma gama de sociedades atuantes, de um lado, da especificidade para cada um dos costumes jurídicos, de outro, de possíveis e inúmeras semelhanças ou aproximações de um para outro sistema primitivo, o direito arcaico está profundamente contaminado pela prática religiosa.
Essa é a influência da religião sobre a sociedade e sobre as leis, que se torna pouco fácil estabelecer uma distinção entre o preceito sobrenatural e o preceito de natureza jurídica. Na verdade, o direito estava totalmente subordinado à imposição de crenças dos antepassados, ao ritualismo simbólico e à força das divindades. O sincretismo mesclava e integrava, no aspecto religioso, as regras de cunho social, moral e jurídico, do pouco que se sabe é que, com certeza, pode-se apontar, as fontes jurídicas primitivas são poucas, resumindo-se, na maioria das vezes, aos costumes, aos preceitos verbais, às decisões pela tradição.
No que concerne aos costumes, há de se reconhecer como a fonte mais importante e mais antiga do direito, manifestação que se comprova por ser a expressão direta, cotidiana e habitual dos membros de um dado grupo social. Novamente, aqui, a religião aparece como fenômeno determinante, na medida em que o receio e a ameaça permanente dos poderes sobrenaturais é que garante o rígido cumprimento dos costumes.
De modo que neste quadro, colocam-se, igualmente, certos preceitos verbais, não escritos proferidos por chefes de tribos ou de clãs, que se impõem pela autoridade e pelo respeito que desfrutam. Trata-se de verdadeiras leis ainda que não escritas, repousando no prestígio daqueles que detêm o poder e o conhecimento, o eminente pesquisador belga citado Gilissen acrescenta também os procedimentos orais propagados por gerações como os “provérbios e adágios” também serviam como regras legais aos povos.
™cf. GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1988, p. 35.
1.3 Funções e fundamentos do Direito arcaico
Inicialmente, constata-se que em cada cultura humana desenvolve-se um corpo de obrigações, proibições e leis que devem ser cumpridas por motivos práticos, morais ou emocionais. Há que se considerar, para Bronislaw Malinowski (1884-1942), que além das regras jurídicas sancionadas por um aparato social com poderosa força coagente, subexistem outros tipos diferenciados de normas tradicionais gerados por motivos psicológicos. Naturalmente, a base de toda investigação do direito primitivo está na imposição rígida e automática aos costumes da tribo. O direito é mais um aspecto da vida tribal, ou seja, um aspecto de sua estrutura do que propriamente um sistema independente, socialmente completo em si mesmo, define o iminente pesquisador citado¹. É neste contexto que se deve interpretar o direito primitivo. A função principal do direito é, para Malinowski, liminar inclinações comuns,
“canalizar e dirigir os instintos humanos e impor uma conduta obrigatória não espontânea (...)”, assegurando um modo “de cooperação baseada em concessões mútuas e em sacrifícios orientados para um fim comum. Uma força nova, diferente das inclinações inatas e espontâneas, deve estar presente para que esta tarefa seja concluída.”2.
                        Assim, o papel do direito é fundamental como elemento que regula, em grande parte, os múltiplos ângulos da vida dos grupos primitivos e.
“as relações pessoais entre parentes, membros do mesmo clã e da mesma tribo, fixando as relações econômicas, o exercício do poder e da magia, o estado legal do marido e da mulher, etc.”. ³
                Em suma, de todos os sistemas de regras legais das sociedades primitivas, o destaque maior é atribuído ao direito matrimonial. Não só é o mais abrangente sistema legal, como o fundamento essencial dos costumes e das instituições. A força do direito matriarcal define que o parentesco só se transmite através das mulheres e que todos os privilégios sociais seguem a linha materna. Daí decorre a rigidez da lei primitiva com relação ao comércio sexual dentro do clã, fundamentalmente, no que se refere ao crime de incesto (principalmente com a irmã) que gera práticas de punição mais severas. Assim citamos alguns aspectos das funções do direito primitivo dentro das sociedades antigas essencialmente ele acaba por regular as relações mais interiores da vida do homem na tribo ou clã.
¹ Cf. MALINOWSKI, Bronislaw. Crimen y costumbre en la sociedad salvaje. Barcelona: Ariel, 1978
² MALINOWSKI, B. Op. cit., p. 79-80.
³ MALINOWSKI, B. Op. cit., p. 82.


Um comentário:

  1. Como vemos o direito e a religião sempre estarão atrelados. Muito bom meu caro amigo e parabéns pelo blog gostei bastante é disso que necessitamos de bons materiais. Abs

    ResponderExcluir