Mário Quintana

"O amor é isso. Não prende, não aperta, não sufoca. Porque quando vira nó, já deixou de ser laço." - Mário Quintana

domingo, 17 de agosto de 2014

Da Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica

A priori me detenho em definir segundo doutrina destacada o conceito de pessoa jurídica, em prestigiado comentário assim expressa, “A pessoa jurídica tem raízes nos canonistas, em 1245, mas o conceito se deve aos juristas alemães dos séculos XVIII e XIX.” (Chinellato J. Silmara, Código Civil Interpretado, Editora Manole, pág. 65). Debruçado sobre o tema o professor Antonio Luis Machado Neto, “realmente, temos aí um processo de raiz e procedência dominantemente econômicos, embora de largas repercussões socioculturais sobre o inteiro elenco da vida coletiva”. Acrescenta, “como uma rápida alteração da vida coletiva, o desenvolvimento tenderá, normalmente, a criar fenômenos de inadaptação, entrechoques de sistemas entre uma vida econômico-industrial emergente e uma organização social estática e tradicionalista”. (Compêndio de Introdução ao Direito Civil, 6. Ed.,São Paulo: Saraiva, 1988, p. 110). Cito ainda professor Orlando Gomes, “Surge assim, a necessidade de personalizar o grupo, para que possa proceder a uma unidade, participando do comércio jurídico, com individualidade” (Raízes Históricas e Sociológicas do Código Civil Brasileiro, Editora: Wmf Martins Fontes p. 191).
Não há uniformidade nos doutrinadores clássicos quanto ao termo, ainda que aplicado expressamente à denominação pessoa jurídica o ilustre professor e civilista Teixeira de Freitas predileciona a expressão Entes de existência ideal, expressão adotada pela legislação argentina, pessoas civis ou morais (código belga e francês). Todavia por ser mais exata segundo Beviláqua, a maioria da doutrina e dos códigos civis do mundo optou pela denominação pessoa jurídica, adotada, também, entre nós.
            Especificamente no Direito Brasileiro a sua regulamentação é prevista no Código Civil, Título II – Das Pessoas Jurídicas a partir do artigo 40, de onde podemos extrair as suas peculiaridades legais.
            Dada singelas introduções é conveniente salientar que pessoa jurídica surge de uma disposição pessoal de um indivíduo ou de um contrato social de mais de um indivíduo, isto é, de pessoas naturais, pessoas físicas, portanto é de um fato social que surge sua figura, este ente jurídico é a representação da vontade do homem de atuar de modo ordeiro, econômico e produtivo na sociedade, interferir na ordem natural das coisas buscando sistematizá-las em um conjunto de atividades complementares objetivando e resultados.
            Acontece ser de suma importância à manutenção das atividades, objetivos e resultados empreendidos pela pessoa jurídica que não deve fiscalizar os resultados de maneira puramente autônoma, é papel do Estado zelar e tutelar direitos e deveres onde existe a interferência deste ente social, surge então a competência de legislar sobre a ação, sobre o modus operandi da pessoa jurídica, o Estado enquanto guardião do patrimônio público, bem como tutor da paz e ordem social, não pode sucumbir a essa responsabilidade.
            A realidade indica que a interferência da pessoa jurídica na sociedade sendo ela transformadora de materiais em bens de consumo ou agente social e ideológica, em casos verificados constata-se resultados trágicos, desastrosos muitas vezes um malefício ao meio ambiente e à vida das pessoas, portanto surge uma questão nuclear. Como se dá a responsabilidade penal da pessoa jurídica?
            Muitos juristas debatem esta questão dentre eles os mais destacados SAVIGNY que defende a Teoria da Ficção e em contrapartida a Teoria da Realidade de OTTO GIERKE, atualmente ambas não exercem influência nas discussões mais relevantes também não é razão de debates atuais, prepondera hoje o entendimento de que a realidade da pessoa jurídica é diferente da pessoa física, Washington de Barros Monteiro diz “a pessoa jurídica tem assim realidade, não a realidade física (peculiar às ciências naturais), mas a realidade jurídica, ideal, a realidade das instituições jurídicas”. REALE, “não é algo de físico e de tangível como é o homem, pessoa natural”.
A dificuldade de imputar uma ação criminal à pessoa jurídica é justamente porque a ação de crime é uma ação humana como ensina o professor alemão ROXIN, “crime é um comportamento humano relevante no mundo exterior, efeitos causados por animais ou poderes da natureza não constituem ações em sentido jurídico-penal, o mesmo podendo dizer-se dos atos de uma pessoa jurídica”. 
                Para resolver este celeuma é extremamente recomendável que se visite a Carta Magna de 1988 que prescreve no art. 173, § 5.º “a lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”. Visto isto é claro e impossível responsabilização penal da pessoa jurídica, ao se afirmar punições compatíveis com a sua natureza, ressalvando a possibilidade de responsabilidade individual.
Tendo vistas também do art. 225, § 3.º “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. A dúvida que paira é se este dispositivo autoriza a responsabilidade penal da pessoa jurídica? Fica patente que não há de modo algum autorização justamente por causa dos vocábulos, conduta que implica comportamento uma pessoa física; a atividade é que pode ser atribuída a uma pessoa jurídica. Faz também referências em uma ordem inteligente pessoas físicas e às pessoas jurídicas. Conclui-se que o constituinte não autorizou atribuir-se sanção penal a pessoas jurídicas, e sim sanções administrativas e às pessoas físicas reservou-se sanção penal, em razão de suas condutas.
Deste feito conclui que o art. 3.º da Lei 9.605/98 não deve ser aplicado também, pois é inválida, tendo em vista a incompatibilidade com a Constituição Federal, vale nota de que não se pode interpretar a Constituição conforme a lei ordinária e sim o contrário. Tal Lei 9.605/98 não estabelece regra processual a respeito de um processo criminal em relação a uma pessoa jurídica, o que torna impossível o desenvolvimento válido de uma ação penal.
Concluindo é predominante o entendimento doutrinário de que não é constitucional a imputação de responsabilidade penal à pessoa jurídica tendo em vista todos os argumentos acima citados, as principalmente porque crime se presume por conduta e esta por vontade a qual é intrínseco a pessoas físicas alvo objetivo do Código penal brasileiro.

Referências
Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil – Parte Geral, Vol. I São Paulo: Saraiva 32ª. ed., 1994.
Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito, São Paulo: Saraiva, 19ª. ed., 1991.
Zaffaroni, Tratado de Derecho Penal, Buenos Aires: EDIAR, 1981, Vol. III.
Klaus Roxin, Funcionalismo e Imputação Objetiva no Direito Penal, Rio de Janeiro: Renovar, 2002, tradução de Luís Greco.

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