A exemplo das manifestações sociais que ocorreram tanto no oriente médio como na Inglaterra alguns anos atrás o Brasil foi palco em junho de 2013 de manifestações populares e estas de cunho dos mais variados, houve manifestantes reclamando sobre o aumento da tarifa de ônibus proposta pela Prefeitura de São Paulo, houve quem protestasse acerca da aprovação da PEC-37 que eventualmente tolheria o poder de investigação do Ministério Público, houve quem protestasse contra corrupção no âmbito geral do governo brasileiro, enfim, foram muitas as reivindicações, fato é que nunca houve uma manifestação desta proporção no país, além disso, o que impressionou foi a origem das manifestações, a sua condução e principalmente o tipo de mobilização, segundo informações foram mais de cem cidades participando dos protestos, em vista desta grande e histórica mobilização o convite é que analisemos segundo uma visão sociológica essas manifestações não exatamente ou especificamente cada uma das reivindicações que foram muitas, mas principalmente o que fez o povo sair de um estado de inércia, letárgico, sair da zona de conforto, organizar-se e sair às ruas para lutar por dignidade e salubridade política que há muito tempo vem sendo antagônica à opinião pública.
Cabe a título preliminar citar o notável jurista alemão Rudolf Von Ihering (1818-1892) que em sua obra A Luta pelo Direito, em sua introdução nos conduz a uma reflexão conceitual da busca pelo direito e do dever de buscá-lo sendo ele disponibilizado a cada indivíduo:
“O fim do Direito é a paz; o meio de atingi-lo, a luta. O Direito não é uma simples ideia, é força viva." (A Luta pelo Direito, Ed. Martin Claret, 2009, pág. 23).
Evidente que cabe ao sociólogo e não ao homem do direito fazer a leitura de todo e qualquer movimento da sociedade, pois é ele que se gabarita a esta responsabilidade e árdua tarefa de eximindo-se de suas opiniões particulares, expor as ocorrências sociais.
E por que não incumbir a este grande labor ao francês Émile Durkheim (1858-1917) nascido em Épinal, graduou-se em filosofia, antropologia e psicologia dos povos e por influência de autores como Herbert Spencer (1820-1922), Alfred Espinas (1844-1922), Wilhelm Wundt (1832-1920), iniciou sua tarefa de transformar a sociologia em uma matéria autônoma, logrou êxito sendo hoje por muitos estudiosos e eruditos reconhecido como o pai ou criador da sociologia, não que ela não existisse anteriormente, uma raiz das ideias pode ser percebida em Montesquieu (1689-1755) ou mesmo em Auguste Comte (1798-1857) seu predecessor qual segundo alguns concorre diretamente ao título de patrono da sociologia, mas foi a genialidade de Durkheim que trouxe a sociologia ao ambiente acadêmico. Portanto a pergunta que fazemos é como nosso autor avaliaria as manifestações de junho de 2013, quais são as suas opiniões quais os métodos de avaliação forjados por ele e que hoje nos ajuda a compreender a sociedade? O primeiro deles é a isenção do pesquisador quanto a ocorrência social:
“O pesquisador deve se desinteressar pelas consequências práticas. Ele diz o que é; verifica o que são as coisas e fica nessa verificação. Não se preocupa em saber se as verdades que descubra são agradáveis ou desconcertantes, se convém às relações que estabeleça fiquem como foram descobertas, ou se valeria a pena que fossem outras. Seu papel é o de exprimir a realidade, não e de julgá-la." (Educação e Sociologia, p.47).
Partimos deste pressuposto de que não podemos avaliar as manifestações com um olhar partidário ou apartidário, mas com um olhar que contempla todas as possibilidades sem desconsiderar nenhuma, isto é, não é possível tem nenhum juízo de valor embutido na análise inicial isso segundo Durkheim é uma falácia no método de avaliação social.
O que podemos ver nas manifestações de junho 2013 é o povo saindo às ruas e clamando por uma política mais salutar à nação, menos corrupção e mais justiça, segundo o método de Durkheim só devemos avaliar inicialmente que , o povo saiu às ruas, o povo que até então estava inerte manifestou-se, o povo agrupado e organizado tomou coragem e saiu a protestar. Essa reação trás em si algo de tamanha relevância, ainda não se pode definir nada de concreto o pesquisador não deve emitir inicialmente nenhuma crítica sobre o que observa, ele ainda está no campo primário da observação, coletando dados muito iniciais, a tabela onde fará suas comparações, avaliações e análises ainda está em branco pronta para receber as primeiras informações, para o método sociológico durkheimiano este momento o pesquisador deve considerar o objeto da sua apreciação como coisa e ela deve estar em contraposição a qualquer ideia, as razões e os porquês do evento da coisa observada será mais bem explicada em outra definição de Durkheim, o fato social.
Fato Social
Durkheim criou uma definição social chamada de fato social, isto se dá quando é observado na sociedade um comportamento comum e que liga os indivíduos à sociedade, ele percebeu que fato social é mais comum que se possa parece e ele caracteriza um povo, a título de referencia vemos nas manifestações de junho de 2013 que uma comoção nacional brotou no coração do povo que maior parte dele pacificamente foi às ruas lutar pelos seus direitos, com faixas, camisetas e placas clamando por justiça, esse tipo de manifestação de iniciativa puramente popular é fato inédito no Brasil, isto fez com que dentro da nossa sociedade fosse gerado um fato social por que após ele criou-se uma força social de manifestação e que impeliu demais grupos a continuar a luta pelos direitos que acham legítimos.
Solidariedade mecânica e orgânica
Outra definição durkheimiana é da solidariedade mecânica e orgânica, a primeira refere-se à ligação natural que um individuo tem com a sua sociedade assim como um proprietário tem com sua propriedade, pais com filhos, isto é, os laços que não são condicionados a nada a não ser os naturais pela funcionalidade da ação, a segunda definição é a orgânica e mais complexa ela se dá quando depois do ambiente familiar e restrito onde se dá a solidariedade mecânica se amplia e suas relações acabam sendo expandidas formando-se as hordas, agrupadas com outras se dá os clãs, eles por sua vez formam as cidades, é nessa momento que encontramos a solidariedade orgânica que se dá quando o indivíduo ainda que na sua individualidade cria uma relação funcional na sociedade e cada qual por sua vez também, a isso chegamos à conclusão que não são só os laços estritos que formam uma sociedade, mas essa individualização também, em junho de 2013 na ótica durkheimiana o que podemos ver é que essa funcionalidade e dependência funcional da sociedade mobilizou-se contra um posição do Estado que não estaria de acordo com os pressupostos destas hordas, clãs, cidades, etc. A consciência de que cada um tem uma função social e que é isso que move ao progresso social não é possível que uma dessas funções que é a estatal prejudique todo um corpo que trabalha sincronizado seja lesado em seus direitos.
Consciência coletiva e consciência individual
Durkheim define ao longo da sua obra o que ele mesmo chama de consciência coletiva isso seria algo como uma mente coletiva social que é produto do relacionamento dos próprios seres sociais, ao criarem estes relacionamentos mútuos eles criam ainda que sem querer este tipo, esta entidade a consciência coletiva, segundo uma ótica durkheimiana as manifestações surgiram de uma consciência coletiva de que havia uma enfermidade social que carecia de uma solução. Um fato social, com características de generalidade, exterioridade e coercitividade. Essa consciência coletiva buscava a subsistência do organismo vivo sociedade e influenciou a ação de milhões de pessoas nas diversas regiões do país para fazer manifestações pedindo justiça social, moralidade na política e o ressurgimento de um Estado forte voltado para o bem estar social.
Ao contrário da consciência coletiva a individual é aquela que em certa medida difere do pensamento coletivo porque é mais intrínseco ao ser humano, mas subjetivo que a primeira. Ainda segundo Durkheim, as manifestações ocorridas no Brasil, nos últimos meses, teriam como origem a existência de leis inadequadas, a falta de princípios o grande mal social e responsável pela desordem moral. Com leis inadequadas, princípios fracos e moral abalados, o Estado enfraquece e não consegue aplicar as leis, garantir a moral e o bem estar social, culminando com a insatisfação popular que clama por ordem e pelo resgate da moral, de princípios e de um Estado forte e atuante, para garantir a manutenção da ordem. A consciência individual é aquela em que nós formamos a nossa opinião quanto a um assunto e a consciência coletiva seria posteriormente a juíza da moral, isto é da posição ou posicionamento social do indivíduo na sociedade.